RETRATO EM 3/4 (TRÊS POR QUATRO) DE UMA MÃE SERTANEJA
A gente se vestir de triste para escrever o alegre é tão complicado como vestido de alegre escrever o triste – embora até o final fale o poeta de uma verdadeira guerreira como são todas as mães - muitos sabem que minha mãe ainda vive, é bonita e tem saúde. – o resto foi tudo que contei a vocês nestes versos simples, mas arrancados do útero da alma de meu velho comboio de cordas.
Seu moço peço licença
Faça favor me escutar
Vou lhe contar uma história
Que sempre me faz chorar
De uma mãe sertaneja
Que um dia Deus veio busca.
O meu nome entre os de casa
Era João da Conceição
Conceição era mamãe
Mulher de bom coração
Veio ao mundo em boa hora
Para alegrar o sertão.
Os meus irmãos eram dez
Raimundo, Pedro e José,
Quitéria, Maria e Fátima,
Ana, Zefa e Franciné,
Em fim Francisco das Chagas
Batizado em Canindé.
De manhã muito cedinho
Mamãe começava a lutar
Madrugada já gritava
Me puxando o calcanhar
Avia! Acorda menino
Vamos o leite tirar.
Fasta p’ra lá, vaca estrela!
Gritava mamãe zangada
Vai dá coice no capeta
Bicha amaldiçoada
Esta praga é tão ruim
Que o leite já sai coado.
Pano envolto na cabeça
No olhar a disposição
Sinceridade na face
Pureza no coração
Olhos fitando a verdade
Pés assentados no chão.
Anda, João vem cá, menino!
-Buscar água de beber!
E eu fazia cara feia
Mas sem nada responder
Mesmo com muita preguiça
O jeito era obedecer.
Você ainda ta ai, menino!
Ela gritava p’ra mim
Qual Santa fitava o céu
Como se fosse sem fim
Vá por ali, seu vadio!
E punha o pé no “camim”.
São João ah! Que noites belas
Ela fazia as fogueiras
E arrumava direitinho
A lenha da catingueira
Com seu vestido de chita
Se tornava a mais faceira.
Sentava ao pé da fogueira
E começava a dizer
O algodão ta muito bom
O feijão vai render
O milho tá tão cheiinho
Que da gosto a gente ver!
Em meio àquela conversa
Eu pedia encabulado
-Mãe eu posso ir à festa?
O sanfoneiro é falado,
-Só se for com tio José
E ficar bem comportado.
E vocês não querem ir?
Indagava a cada irmão.
Alguns deles s’tava mole
Ela passava um sermão
Vocês são mesmo uns bananas
Nem se parecem com o João.
Falava séria e sorria
Como se dissesse um amém,
Fitava o céu como Santa
E me dizia também
A hora que o tio vier
É a hora que você vem.
E a gente ia para a festa
E até podia notar
Que seus lábios delicados
Não cessavam de orar
E eu já ficava sabendo
Que tudo certo ia dar.
Como era lindo eu me lembro
Juntando as mãos p’ra pedir,
Fitava a imagem de Cristo
E começava a sorrir ...
Às vezes Cristo sorria
Querendo a ela servir.
Rezando aos pés de Maria
Que quadro embriagador
Duas Santas conversando
Que bela cena de amor
Mamãe falava de nós,
Maria, do Salvador.
Terminada oração
Mamãe vinha abençoar
Não sei se a ela ou Maria
A benção eu estava a tomar
Para mim eram iguais
Nosso sono a embalar.
Mas de manhã cedinho
Chegava a realidade
O convite para a luta
Trazia toda a verdade
Daquele encontro de Santas
Eu tinha muita saudade.
Se as vezes um de nós
Na cama estava doente
Suas faces viravam dor
Seus olhos ficavam ausentes
E ao nosso lado assistia
Como presa por correntes.
E o tempo foi passando
E eu fui podendo notar
Que sua voz insegura
Começava a tremular
Seus cabelos pareciam
Com uma serra a nevar.
Já não tinha o olhar tão firme
Sua face era cansada
Suas mãos não mais seguras
A testa toda enrugada
Indecisa e vacilante
Era sua caminhada.
Seus olhos não alcançavam
O alegre amanhecer
O bastão antes p’ra luta
Hoje usava p’ra se erguer
E até das belas fogueiras
Já começava a esquecer.
Mas seu rosto era tão puro
Como o de um anjo de Deus
Lábios trêmulos, cansados,
Ela abençoava os seus
Dentro de mim algo dizia
Que estava próximo o adeus.
Certo dia eu viajei
Fui p’ras bandas da cidade
Na volta não estava só
Me acompanhava a saudade
E sem querer percebi
Que eu chorava de verdade.
Desejei naquela instante
Ser pela terra ser tragado,
Pois me faltava coragem
Para enfrentar o esperado
Minha mãe minha mãe morta
Era bem triste o meu fardo!
Se quando em casa eu chegar
Sem mamãe a me esperar
Se naquela mesa grande
Houver sobrando um lugar
E, se eu, de mãos estendidas
Não vê-la a me abençoar?
Nunca mais ouvir sua voz
Seu grito chamando João
Suas histórias ao luar,
O afago da sua mão
Oh! Pai, Paizinho do céu
Diz que tudo isto é mentira
Que tudo isto é ilusão
Que quando em casa eu chegar
Ela está em sua cadeira
Meu filho você já veio?
Fez direitinho a feira?
Vem cá deixa eu te beijar!
Você está muito faceiro!
Cheguei em casa e entrei;
Mamãe não estava eu seu lugar
À mesa vi a tristeza
Querendo me consolar
Abri a porta do quarto
Ela estava agonizar.
Como um soldado de guerra
Dela fui me acercar
-Meu olhar eram dois rios
Enfrentando a fúria do mar
Mas ficou em calmaria
Olhando o dela a brilhar.
Eu de dor crucificado
Dela me aproximei.
Voz sumida ela me disse
Filho, é o fim, eu já sei
Não chore, morro feliz
Porque a vocês eu amei
E eu o coração em pedaços,
Ainda lhe supliquei.
Manzinha não vá embora
Não abandone os filhos teus!
Como é que posso viver
Sem ter os carinhos teus !
A me fitar como Santa
Ainda assim me falou:
Já é tarde, muito tarde
Minha hora já chegou
Eu te darei minha benção
Pois, para o céu Deus me chamou.
Aí! Senhores, a dor doeu
Meu rosto se amortalhou,
Minhas mãos buscarem espaço,
O meu coração de amor sangrou
O meu peito em desespero
No dela se abandonou.
E assim entre meus braços
Seu ultimo suspiro foi dado
Sem saber eu já sabia
Que tudo estava acabado!
E eu triste, cambaleando
Maluco, desesperado
Sem poder olhar p’ra trás
Fiquei dizendo num brado:
Mãe , manzinha, mãe,
Um dia serei um poeta
Para pintar com versos
Para toda a humanidade
O teu retrato em ¾.